"PICHA DE BOI"
- JPM
- 18 de fev. de 2017
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Haverá matérias mais dignas de serem debatidas em Tribunal do que as possíveis finalidades de uma “picha de boi”? Certamente que sim. Mas isso não foi impedimento para que o Tribunal da Relação de Évora tivesse sido chamado a pronunciar-se sobre o assunto.
O caso ocorreu em Setembro de 2005, no Alentejo, quando um gerente de uma empresa de construção civil se encontrava à porta de um restaurante, a discutir com uma senhora de nacionalidade brasileira.
Dois agentes da PSP foram chamados ao local, e constataram que o homem empunhava o seguinte objecto: uma bengala de cor castanha, de fibra animal, com cerca de 92 cm de comprimento, com o extremo inferior protegido por borracha e fita adesiva isoladora de cor preta e extremo superior envolto no mesmo tipo de fita – objecto habitualmente denominado de “picha de boi”.
Os Srs. Agentes da PSP consideraram que o objecto empunhado pelo homem era uma arma proibida, e apreenderam-no na hora.
Apresentado a julgamento, o senhor alegou que tinha comprado a bengala como recordação, numa loja de artesanato da Serra da Estrela, onde existiam várias bengalas idênticas.
Argumentou ainda que tinha a bengala pendurada por um prego, na porta da cozinha, no lado que dá para o balcão do restaurante, exposta ao público, sem nunca pensar que a bengala fosse considerada ilegal.
O tribunal de primeira instância não ficou convencido com a explicação, e condenou o indivíduo por um crime de detenção de arma proibida, na pena de multa de €.1.200,00. Inconformado com a decisão, o condenado recorreu para o TRE.
No respectivo acórdão, os Juízes-Desembargadores explicam que não pode ser considerado arma proibida “o objecto que, podendo excepcionalmente ser aproveitado para praticar uma agressão, não foi fabricado com essa finalidade nem é essa a sua utilidade normal”. Ou seja, “o uso desviado das propriedades do objecto não pode servir como critério para o definir como arma.” Como exemplos, referem o cinto, uma navalhinha de bolso “daquelas de descascar maçãs”, ou até mesmo um guarda-chuva com ponteira metálica – tudo objectos que, segundo o tribunal, embora possam servir para uma agressão, não podem ser considerados como armas.
Ora, a propósito das finalidades da “picha de boi”, os Desembargadores dizem que a mesma foi “originariamente criada para vergastar o lombo dos animais na condução dos mesmos pelos campos e ainda como amparo ao caminhar do pastor (tal como a sua homónima de pau ou o cajado).”
Discorrendo ainda sobre a evolução das aplicações de tal bengala, o tribunal esclarece que “pela curiosidade do material de que é feita e o aspecto que tem, foi sendo também progressivamente erigida como curioso objecto de artesanato característico de algumas zonas sobretudo do interior centro e norte do país continental e até objecto de decoração (independentemente do bom ou mau gosto da mesma, com o qual ninguém tem nada a ver).”
Assim, tendo em conta os fins para que foi criada, os Juízes-Desembargadores concluíram que uma bengala de “picha de boi”, embora podendo ser usada como meio de agressão, não pode ser havida como arma, e, portanto, acabaram por absolver o arguido.
O processo ficará para a história como tendo sido o primeiro em que um Tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre as possíveis utilizações de uma “picha de boi”. Durante algum tempo, o nome do objecto era mesmo apresentado como título do acórdão, no site da DGSI. Mais tarde, o tribunal achou por bem alterar o título do acórdão para “Arma Proibida” – não fosse haver confusões.
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